A meados de Janeiro decidi escrever uma carta aos meus pais para clarificar as coisas e ver se realmente as coisas se compunham um pouco (mas não) a única reação deles foi pegar na referida carta e atirá-la para cima da minha secretária, estava com esperança das coisas melhorarem...mas pelos vistos mais uma vez a vida prega-me uma partida...
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Queridos pais,
Há coisas que são difíceis de se dizer, de serem
escritas, de ser transmitido para o papel o que nos vai na alma, o que
sentimos cá dentro, são complicadas de se entender e difíceis de se
perceber. Devem estar a perguntar-se o porquê desta carta, o porquê
deste texto todo, o porquê de eu ter escolhido ser assim desta forma e
não de outra (…) porquês alguns com resposta outros sem, na vida há
coisas verdadeiramente inexplicáveis, e bastante surpreendentes!
Sinto,
sinto que tenho de dizer-vos, tenho algo a revelar-vos, algo que custa
muito dizer-se, algo que está aqui algures entalado na garganta e que
dai não saí, durante anos e anos vivi uma vida enclausurado pelo medo,
que me estava a empurrar e a apagar a minha própria vida, um medo
enorme, medo de ser aquilo que sou, o medo que é muitas das vezes o
muro, o inimigo, aquele que nos faz pensar vezes sem fim a decisão entre
um simples 'Sim' e 'Não', é aquilo que nos impede de sermos felizes da
maneira que somos, impede-nos de fazermos uma série de coisas que
podíamos ter feito, ou fazer mas...que pelo grande medo de tentar e de
falhar acabamos por desistir de algo, talvez um sonho, uma ilusão, uma
vida, uma história...não sei, não faço a mais plena ideia…à medida que o
tempo passava ia observando que ia destruindo o meu sonho, aos poucos e
poucos, mesmo não querendo …. mas felizmente a vida muda, é feita de
mudanças, de escolhas, de paixões, de derrotas mas também de batalhas,
de lutas mas também de fracassos, de medo mas sobretudo coragem, existem
algumas, muitas coisas que necessitam de saber sobre mim, algo que
tenho de vos contar de uma vez por todas, basta de mentiras, de ilusões,
de dar a volta, basta….acabou-se, é decididamente o fim!
Sinto porém
que, por vezes nós podemos ter tudo, mas tudo, tudo aquilo que os
outros pensam que é o essencial para nos sentirmos bem e felizes, mas de
que serve ter a maior fortuna do mundo, o armário cheio de roupa cara,
tudo do melhor que existe, e simplesmente nada nos satisfaz, nada capta a
nossa atenção, pensamos e voltamos a pensar, o que será que está errado
connosco?, depois de tanto pensar e divagar por mundos imensos,
vadiando por lugares, por coisas jamais esquecidas, por recordações e
momentos bem passados, por histórias, e sítios conhecidos... talvez
aquilo que nos falte pode ser uma simples coisa que não conseguimos ver,
mas sentimos que é realmente a grande falta de um sentimento, o amor,
sim sabem o que isso é?, uma palavra tão pequena, mas com tanta mistura
de sentimentos e emoções, um mar e um horizonte longínquo.
Não
falo de amor-próprio, mas sim de amor por uma pessoa, um amor
impossível, algo proibido que está encoberto por um medo tão grande, por
uma dor tão lenta mas que nos mata aos poucos e poucos, e ...no fim o
sofrimento acaba por se tornar maior do que o sentimento, pois este tipo
de amor é algo muito difícil de se realizar, praticamente impossível,
na melhor das hipóteses. Para quê impor restrições ao amor, não importa o
sexo, raça, religião, ... pois amor é amor seja lá como for! Amar é o
sentimento mais belo e mais puro que existe, já pensaram no que seria de
nós sem o amor?
Com a entrada neste novo ano 2013 prometi a mim
próprio que passaria a ser o meu verdadeiro ‘EU’ sem problemas
quaisquer, pois já estava mais do que na altura certa de o fazer, ainda
mais, eu sempre vivi escondido de tudo e todos, vivia como se fosse um
boneco era o que as pessoas queriam que eu fosse, e não ‘EU’ mesmo como
tal deveria de ser… e isso foi adiando dia após dia a minha revelação
que estou prestes a fazer enquanto pessoa neste mero documento escrito
por mim, com um valor inestimável. Finalmente este ano decidi que não
poderia ter mais medo de mim próprio de uma vez por todas, pois esse
medo todo já me estragou a demais estranha vida que levo, o dia-a-dia
com muitos sobressaltos, dissabores, algumas alegrias acompanhadas de
uma grande dor, angústia e sofrimento, todos os dias, todas as
noites…calculo que ninguém deve fazer a mais plena ideia, do que eu
possa estar aqui a falar (…) perfeitamente normal!
Há coisas que
sempre escondemos, durante uma vida, durante anos e anos sem fim, e
finalmente …. chega a um determinado ponto, em que temos de parar e
pensar, pensar em nós mesmos esquecendo o que vai à nossa volta, o que
será do nosso futuro se continuar-mos assim neste de estado de
nostalgia, de solidão, de revolta, de angústia, de isolamento do mundo,
não o nosso próprio mundo aquele que criamos, em que tudo parece ser
perfeito e só acontecem coisas boas, em que o mal é inexistente, mas sim
o verdadeiro aquele bem real que existe lá fora, tão negro, tão sujo,
tão horrível, tão duro, escuro, pobre de luz, de vivência, de espírito,
de alma, de pessoas boas, carinhosas e afectuosas, de amor, de paixão,
de paz (…) esse mundo pode ser aquele em que pensamos estar inseridos
mas a grande verdade é que não nos enquadramos de maneira nenhuma nele,
por “sermos diferentes”, diferentes das outras pessoas, nós acabamos
por ser tudo sem querer ser nada!
Coragem, uma grande palavra com um
significado incrível, é um acto que muito poucos têm, eu tenho e sinto
um grande orgulho disso, sei que são bem poucos os que conseguem
obtê-la. A certa altura da minha vida, … senti algo a chamar-me uma
espécie de desafio, foi bem-vindo, mas algo me inquietou
interrogando-me, que tipo desafio será este?, uma espécie de
autoconhecimento, talvez, e muito provavelmente, o mais certo… pois
tudo isso acontece a todos os jovens, numa fase, aquela em que se
começa a vivenciar a adolescência. Como quem não quer a coisa, decidi
abrir a porta e entrei, instalando-me confortavelmente, quando vi do que
se tratava assustei-me, fiquei passado, chorei noites sem fim, não
pensei que eu pudesse ser assim, mas depois de questões atrás de
questões, do tipo interrogatório sem fim, ainda tive o bom senso de não
mandar embora este grande desafio, afinal porque não conhecer melhor
essa parte de mim? Afinal nunca coloquei de parte a sua chegada à minha
vida. Então aceitei o desafio, com um ‘Sim’ e confiança! Levou o seu
tempo, processo de muita burocracia…. até que por fim depois da
tempestade veio a bonança, e em todos os momentos que tive, consegui
perceber aos poucos o que era isto novo que eu sentia, e que nome
poderia lhe dar, que novo sentimento era este...na altura ainda me
lembro de parecer que o mundo está diferente, e que eu não fazia parte
dele, acho que o mudou mesmo foi os olhos com que passei a ver mundo,
depois de crescer um bocadinho mais e passar por um infinito sofrimento,
quase sem um fim esperado. Não sei como hei-de vos dizer isto…é algo
que eu já sinto desde algum tempo, é algo que já nasceu comigo, só que
depois à medida que ia crescendo é que fui descobrindo aos poucos e
poucos, quem realmente eu era… não é simples nem fácil de dizer-se isto,
quanto mais, quando sabemos que temos um ambiente desfavorável à nossa
volta, mas vou ter de vos dizer, sendo assim vou directo ao assunto, eu
não quero-me voltar a sentir mal, por esconder tudo, acabou-se estou
farto de esconder, de viver uma vida numa mentira, numa pura ilusão, uma
vida que nem minha é, é apenas uma vida que as pessoas há minha volta
querem que eu tenha à força, mas não vou permitir tal coisa, é errado se
eu o fizer, e muito… depois de tanto pensar e divagar em lembranças e
recordações de quando descobri quem realmente eu era, observo que não
devia ter-me limitado ao medo e à solidão, e ao sofrimento, ano após ano
sempre a sofrer pela mesma razão (…) agora, neste vejo que está mais do
que na altura de ser como sou, e não como as pessoas querem, não me
importa a opinião das pessoas, afinal é uma opinião não vai muito para
além disso, opinião…eu sei bem aquilo que sou, não necessito que mo
digam cara a cara, ouvir coisas inadmissíveis de ser ditas a um filho e a
qualquer outra pessoa com a mesma situação, custa ouvir-se certas
coisas vindas da boca de quem nos criou durante anos, de quem lutou pela
minha sobrevivência e isso magoa profundamente cá por dentro… mas sei
que sou um lutador e dotado de uma força superior, digo-vos não vai ser
nem tu, mãe, nem ele que vão dar cabo da minha felicidade… hoje as
criticas não me abalam pelo contrário só me fazem ainda mais forte, o
mais importante sou EU, EU e a minha felicidade, não me interessa, não
quero saber o que vão pensar de mim por ser como sou, estou de
consciência tranquila, não cometi nenhum crime, não matei ninguém, não
fiz algo de errado. Eu estou sossegado, em paz, apenas não quero sentir
que passou mais um dia de omissões, estou cansado não posso mais enganar
toda a gente à minha volta, acho que todos têm o direito de saber quem
eu realmente sou. Prisão. Opressão. Correias enrolam-se à minha volta.
E, eu nada posso fazer sem ser vê-las prender-me. Milímetro a milímetro,
apertando, e eu não me agito. Deixo-me estar, pensando se devo ou não
dizer a frase que me libertará ou condenará à prisão. E, enquanto
espero, vou morrendo asfixiado. Peço espaço, tempo; escasseia. Vou
morrendo, a pouco e pouco. Arrisco-me, no meio de tanta indecisão, a
ficar asfixiado, a não conseguir dizer a frase.
Eu… sou um homem
capaz de amar outro homem, "Sou gay". À volta de uma frase tão simples
agora de ser dita, que antes era o mais completo terror, por eu ter
crescido numa sociedade tão estereotipada e preconceituosa, e ser-me
ensinado que era um pecado, contra as leis da natureza e errado, agora
esta frase tornou-se tão compreensiva, não tenho medo algum de dizê-la
se me perguntarem, porém ainda com ela está tanta agonia... e associada à
mesma a pior fase do egoísmo, "Não me faças isso!”, e sim é isso mesmo
que está escrito mais acima que eu sou, com todas as letras, era esse o
meu segredo que já vinha guardando há cerca de cinco anos, tencionava
guardá-lo durante mais uns quantos, ia disfarçando aqui e ali, para
ninguém notar nada, mas nada disso foi possível… Pois tu, um dia mãe
descobriste quem eu sou, por tanto invadires a minha privacidade, por
não me deixares viver só no meu canto, tu nunca respeitaste o meu
espaço, não me deixas ficar com a porta do quarto fechada, ter a chave
do meu próprio quarto, não bates à porta antes de entrar, condutas
demasiado básicas que deveriam os dois saber …. Bem, o meu quarto é o
único sitio desta casa onde me sinto bem, onde gosto de pensar,
reflectir, ficar entre páginas e mais páginas de texto, livros e mais
livros, navegar na internet fazendo o que tenho a fazer, é um meio
acolhedor que me faz sonhar, apesar de o meu irmão não estar cá e de eu
sentir a falta dele, eu gosto de estar só, no meu canto, sem que ninguém
me incomode, a ouvir a musica de que eu gosto, a pensar na vida, nas
minhas coisas, nas preocupações de um dia-a-dia de estudante, e não só,
mas nem tu isso permites que eu faça … quantas mas quantas vezes eu já
te gritei para me deixares só, (foram tantas que já nem me lembro) eu
implorava tanto mas tu, tu não o fazias mãe e eu tenho esse direito e
sempre fiquei calado a ouvir o que me dizias, mas agora é a tua vez de
ouvir e ficar calada se quiseres, se não quiseres podes falar para as
paredes, pode ser que estas te compreendam, mas me tratar do forma que
me tens tratado nos últimos tempos, já não posso mais, cansa, estou tão
farto, não posso viver com pessoas assim…como tu, mãe e pai, e os resto
dos conservadores, homofóbicos, e mentes antiquíssimas desta família!
Sim eu sou homossexual, uma dessas aberrações que vocês abominam, um
desses "bichos" que tanto vos repugna e serve de matéria para piadas
subtis, mas a culpa não é minha. Não é vossa. Nem de ninguém. Não é uma
doença, não é erro de natureza. É algo que me acompanha deste sempre, é
algo que desde cedo sempre soube mas que fui escondendo até que fui
descoberto.
Ainda me lembro daquele dia como se fosse hoje,
estava lá na escola quando me perguntaram “Qual é a tua orientação
sexual?”, eu fiquei assustado com a pergunta, rodeado de pessoas, a
insistência para saber era cada vez maior, não sabia o que dizer, poucas
eram as respostas que me ocorriam na mente, também não eram assim
tantas as opções de escolha, não se trata de marcas de carros ou algo do
género. Incrivelmente e por mero acidentem, escapou-se da minha boca a
palavra “Homossexual”, não queria que isso tivesse acontecido, não
queria ter dito aquilo de forma nenhuma, mas não o pude controlar, foi
algo sem explicação possível, e mais não pude fazer, queria ter dito
heterossexual, mas o coração acabou por falar mais alto e fui
sincero…ainda tentei dar a volta, desesperadamente, mas já não havia
nada a fazer, aquilo estava dito, e já não o podia negar nem omitir
tampouco. O curioso é que quando disse semelhante coisa tinha apenas uns
11/12 anos! A partir daí comecei a ser vitima de bullying constante e
cada vez mais os anos demoravam a passar, era sofrimento atrás de
sofrimento, que se foi acumulando, e acabei da pior forma, ia sofrendo
em silêncio, eu não poderia contar à minha família sabendo como ela era,
não tinha amigos, nem ninguém que me pudesse ajudar… então resolvi
ficar calado e calado, até hoje, o dia que estão a ler esta carta, e vos
explico o porque de eu ter sofrido de bullying e de ter andado tanto
ano fechado para dentro, sempre deprimido e sem poder dar explicações do
que se passava.
Vocês sempre quiseram saber o que eu fazia na
Internet, com quem falava e eu dizia sempre que estava a falar com
amigos e isso é a verdade, porque eu não falo com estranhos, mas há
também outra coisa que eu faço, participo num fórum (local de debate) de
uma associação nacional de apoio a jovens LGBTs (lésbicas, gays,
bissexuais, trangéneros e simpatizantes) designada de “rede ex-aequo”, e
é uma associação que se empenha na luta contra o preconceito, participa
em várias entrevistas, faz diversos estudos e é reconhecida pela União
Europeia. Hoje já não estou lá só para pedir apoio, mas também já passei
por algumas coisas que me permitem apoiar os outros e isso deixa-me
orgulhoso de mim mesmo, eu decidi que irei fazer a fundação do grupo
local cá em Funchal, para ajudar quem mais precisa e dar apoio a todos
os jovens LGBT da região. Para ser coordenador desse tal grupo é
necessário eu frequentar uma formação no Continente, em Alvito (Beja),
no dia 1,2 e 3 de Março de 2013, sei que muito provavelmente não me
autorizam a ir, mas não vai ser por causa de vocês nem de outra pessoa
qualquer que irá, me impedir de criar o grupo cá e vou quer aceitem quer
não. No Verão a referida associação organiza um acampamento para jovens
LGBT de todo o país com local ainda a definir, no mês de Agosto de 18 a
26, eu apresento um enorme interesse e vontade em ir. Qualquer duvida
que vocês tenham também podem ver o site, vão lá encontrar muitas
informações http://www.rea.pt
Não
me dou com gente assim como vocês, não suporto estarem sempre, mas
sempre constantemente a dizer mal das pessoas que são diferentes de vós…
mas afinal, O que é que vos faz capazes de fazer tal acto? Será por se
acharem todos ‘perfeitinhos’? E pensarem que mandam o mundo inteiro? Que
indecência de gente, de família que eu tenho, embora com muita pena mas
não há nada que possa fazer, todos pensam logo que as pessoas como eu
não são iguais a todas as outras, pesam que não são pessoas, que não são
sociedade nenhuma, não são nada, são simplesmente inexistentes (…)
vocês têm na mente instaurado que é um pecado amar alguém do mesmo sexo,
que é errado, que a pior coisa existente no mundo são as pessoas assim
como eu e muitos outros por aí, … Mas que género de família é esta que
eu tenho? Será sequer que eu vos posso chamar de família, será que o
merecem depois das coisas quem têm-me atirado à cara, dia após dia, cada
vez mais fico mais farto, mais e mais, cansado das vossas cenas…a nossa
relação de pais para filho e filho para pais, é impossível de existir,
vocês são os princípios da humanidade, e eu, eu sou o rapaz que tem uma
mente de um adolescente americano muito para a frente, e chocamo-nos de
tal forma que é impossível existir um meio-termo, mas não vos posso
culpar inteiramente pela nossa não-relação pais/filho. Também eu tive
culpa no cartório. Talvez eu fosse demasiado orgulhoso para admitir que
eu também tenha errado, embora não achasse que era tão orgulhoso até
certo ponto… Lá fora ao menos, eu podia trabalhar mesmo tendo 16 anos,
enquanto aqui é praticamente impossível isso, e ganhar o meu próprio
dinheiro, ainda me lembro do que o meu primo me disse o ano passado, que
eu deveria arranjar um trabalho para o Verão? Eu queria muito, mas tu,
tu mãe ficaste contra ele só por causa disso, não me deixaste de maneira
nenhuma fazer aquilo que eu mais queria desde à algum tempo para cá.
Não me deixaste também ter liberdade alguma, não me deixas sair com os
meus amigos, sim eu tenho amigos, e amigas também, não pensem que apenas
tenho amigos rapazes, (…) eu queria muito ter ido ao Porto Santo o ano
que passou, mas tu não deixaste? Porquê? Eu ia estar com os meus amigos,
eu preciso do meu espaço de manobra, apesar de todos me acharem
criança, não, não sou. Sou uma pessoa diferente de muitos, mas o que me
define de verdade, é não ter definição própria, é ter bastante coragem,
uma força inesgotável para lutar contra o que me surgir pela frente. Eu
necessito de ser livre, para poder concretizar o meu grande sonho, a
minha lenda pessoal, preciso de liberdade, me proibirem e me retirarem
as coisas não muda nada, só piora cada vez mais tudo, não é assim que
devem agir. Como podem ser assim? Como podem chegar ao ponto de pensar
que pessoas assim não merecem vida? Desde de quando se fazem juízos de
valor a uma pessoa pela sua aparência? Juro, eu não compreendo, só
apenas por um pequenino detalhe da pessoa, uma tatuagem, um mero brinco,
gostar de pessoas do mesmo sexo, neste caso rapazes, algo intimo da
vida de todos nós, …. Vocês e toda a sociedade envolvente, chegam a ser
tão rudes para connosco, com pessoas como eu inclusive, pensam que é
isso que nos define, mas não, não e não. Isso não me define nem a mim
nem a ninguém, todos nós temos sentimentos, somos pessoas como as
outras, sofremos imenso e mais do que possam imaginar, não é
propriamente o mais agradável de conviver com uma sociedade que nos olha
com vergonha, nojo, medo… porém, nós temos algo que muitos procuram,
coragem… se soubessem muitas das vezes o que me custa olhar para a vossa
cara quando dizem mal de tudo e todos, não me dirigiam nem uma palavra…
nós somos iguais a todos os seres humanos, só muda um aspecto, o nosso
gosto, algo que já nasce connosco e que é verdadeiramente impossível de
mudar, não pensem que isto é fase, que amanhã é o dia D e tudo muda, não
é assim, isto de mudar no dia seguinte, não é possível, não é e ponto.
Parece algo simples como, hoje carrego neste botão e amanhã serei outra
pessoa, mas não é assim, que mentes erradas e tão fechadas, entaladas
por pó e mofo, que ocupa todo o espaço que ainda lhes resta, nada anda
para a frente, continua-se sempre no século que passou, no mesmo tempo
antigo….com a mesma mente, o mesmo pensar, a mesma educação, e tudo isso
faz-me ver que simplesmente nada mudou e que nada vai mudar, vocês são e
vão continuar a ser assim, uns mentes retrógradas, e não vale a pena eu
lutar por mudar isso, sei que é logo algo impossível desde já e que
não vale o mérito de eu fazer o mínimo esforço para lutar contra isso,
pois vocês não se actualizam à realidade de hoje em dia, ao presente,
estão presos num passado do qual fazem presente, nunca se habituarão às
novas coisas que foram surgindo à medida que o tempo foi avançando. Aqui
no meio disto tudo, a única pessoa que pode fazer algo sou eu, sim EU e
sim é mesmo o que irei fazer, mesmo que me custe, mesmo que me magoe,
mas está na altura de escolher o que é melhor para mim e sou a fazer
essa escolha, não vocês meus pais e família, só tem de aceitá-la se
quiserem, não obrigo ninguém a o fazer, que saiba ainda somos todos
livres. de exprimirmos a nossa opinião e o que somos na realidade, eu
pelo menos não vivo na época de Salazar, mas sim num presente muito real
e com uma mente muito aberta, para a frente e não para trás como a
vossa. Isto de eu gostar de rapazes, é apenas algo que já veio comigo
desde o meu nascimento mas que vocês nunca irão compreender por ter uma
mente dessas. Há imensa coisa que não percebo, por mais que me esforce,
que gente são vocês?, quem são vocês? Expliquem-me desde que altura se
passa a apreciar uma pessoa pela sua aparência, pelas suas intimidades, …
bem só se é nos anos 60/70, que eu saiba as pessoas ainda valem por
aquilo que são, pelo seu coração e sentimentos, não devem ser julgadas
só porque têm uma tatuagem, um brinco, ou até por gostarem de uma pessoa
do mesmo sexo, (….) tudo porque a vossa mente continua a achar que está
errado, e continua lá bem presa sempre no mesmo passado. Sinceramente
nunca pensei em dizer-vos isto, mas a realidade o permite fazer, eu não
me sinto bem, sinto-me excluído, sinto que não pertenço a este pedaço de
mundo cruel, sei que nunca vou ser aceite pela maior parte da porcaria
de família que tenho, e sabem querem mesmo saber, eu sinto revolta,
nojo, raiva, de conviver com gente assim! Sabem o que é viver uma vida
por baixo de uma capa, fazer as coisas sem determinação nem amor, viver
cada dia como se fosse apenas uma rotina e tudo estivesse destinado?
Sabem o que é olhar à minha volta e não me sentir lá, sabem?
Então
não digam para ter vergonha de ser quem sou, não digam que sou a
vergonha da família, não digam que eu quero vos destruir e que mais
valia eu pegar numa arma e… matar-vos aos dois, não me digam coisas sem
nexo de se dizer a um filho, penso que depois disto, pouco ou nada vos
importarei, além do mais eu já noto isso, querem lá saber de mim? Não,
não querem e não me merecem porque se me merecessem não me diziam o que
me têm dito. Mãe, acredita não vale a pena argumentares e me tentares
dar a volta que enquanto estiveres viva, eu não vou ser quem sou porque
tu não o vais permitir e porque não queres que eu seja assim, fica
sabendo que nada disso é possível porque ninguém pode controlar uma
coisa que já faz parte de mim desde sempre, não irás ser tu nem ninguém
da família que vai-me impedir de ser feliz, não vou deixar que tal coisa
aconteça! Não podes controlar o que eu sou, eu já nasci assim com esta
característica… e não há nada que você possa fazer para mudar isso! Mãe,
não busque o meu mano como pretexto para eu ser como quer, ele é
inocente e não é culpado de nada, não invoques o nome dele, ele é meu
irmão e não quero que o faças sentir culpado de eu ser assim como sou,
não vale a pena dizeres que se eu tivesse respeito por ele… eu seria
diferente! Também não digas que ando para aí a inventar doenças, para
gastar o vosso dinheiro, pois tudo o que tenho sofrido ano após ano,
ninguém faz a mais plena ideia, e tem-me custado tanto mas tanto. Eu sou
assim como sou! E sinto-me bem e feliz, com um grande orgulho de mim,
de ter tanta coragem e força para levar a minha vida em frente, com ou
sem pais, sim já não aguento estar nesta casa durante mais tempo, tenho
de passar uns tempos noutro sítio, estou exausto, não posso mais viver
debaixo de um tecto em que todos os dias me atacam constantemente,
preciso de recomeçar a minha vida, chegou a altura em que tenho de
escolher entre e minha felicidade e vocês, mesmo tendo 16 anos, mas isso
pouco importa, idade é apenas um número, a maturidade é sim o
importante, apesar de reconhecerem que estou sempre numa criança,
enganam-se muito bem enganados pode perecer que tenho mentalidade de
criança, de pirralho, mas NÃO, eu sou um adolescente, já a caminho de
adulto, e para que saibam desejava já ter os meus 18 anos, mas não
tenho, infelizmente vou ter de tomar medidas, aqui não posso continuar
mais, já atingi o meu limite me e não me interessa que a maior parte da
família deixe de olhar para mim, de falar comigo, que passe por mim e
faça que não me conhece, (…) não vai ser isso que me vai destruir ou
deitar abaixo, eu tenho amigos/as verdadeiros e outras pessoas que me
dão apoio e que sei que posso contar com elas, hoje, amanhã e sempre!
Sei que com a vossa mente tão antiga e velha nunca me vão querer assim,
sei que vão-me chamar toda a porcaria de nomes que existir, mas não me
importo, também já não posso viver com vocês, não me sinto bem e não
gosto, sinto a necessidade de estar só, de fazer as coisas sozinho e sim
eu sei fazer as coisas, sei cozinhar, limpar, lavar a roupa, passar a
ferro, as coisas básicas da lida doméstica…e já há cerca de um ano, que
quero viver sozinho sem que ninguém me impeça de ser quem sou sem
vergonha alguma, medo e sentimentos de culpa.
Não vou deixar de
concretizar os meus sonhos, e sim é isso que vocês, meus pais estão a
fazer, não me dão liberdade de ser quem sou e como sou, mas nunca o pude
fazer por não ter razões suficientes e por ser menor, mas neste caso,
tudo muda, trata-se do meu bem-estar emocional e pessoal, sei que não
vou aguentar o ar pesado como tem sido nas últimas semanas desde que o
novo ano começou! Não me importo nada de arranjar um part-time para
ganhar algum dinheiro, mas vocês têm a obrigação de me sustentar, por
lei enquanto estiver a estudar, até ao fim do meu curso, que isto fique
bem claro, mas cá nesta casa eu não fico, não há volta a dar a decisão
está mais que pensada e decidida, nada a irá mudar!
Mãe, não me diga
que eu não posso nunca chegar aos seus calcanhares porque já os
ultrapassei, já admiti aquilo que sou perante vocês e mais umas quantas
pessoas, tenho uma grande coragem e força, vou fundar o grupo denominado
de “rede ex-aequo funchal” para ajudar os outros jovens com situações
parecidas com a minha e lhes dar apoio e um sitio onde se possam sentir
bem sem homofobia, nem preconceito, sim não tenho vergonha nenhuma de
dar a cara, ou de ser o “diferente” da família, e estou disposto a
deixar esta casa, eu preciso mesmo de estar sozinho não são todos os
adolescentes com 16 anos, que fazem o que eu vou fazer e, é preciso
haver mesmo imensa força e uma enorme coragem, a maioria dos jovens LGBT
na Madeira vive escondido, isto tudo por causa da porcaria de sociedade
que temos, por nos maltratarem e por não sermos aceites, por sermos “a
doença”, “ os bichos”, …. !
Por vezes as pessoas à nossa volta
esquecem-se que existimos, esquecem que também sentimos, que somos
humanos, que temos sentimentos, que sofremos, que custa ouvirmos tudo e
ficarmos de boca fechada sem poder dizer nada, ficando a sofrer
lentamente dia após dia no mesmo silêncio, na mesma rotina, sofrer,
sofrer e sofrer….sem fim! Nós somos pessoas e que grandes pessoas, sei
que não é bem qualquer rapazito por aí que se digna a escrever um texto
como este com a intenção pretendida, em mostrar às pessoas que ‘somos
todos diferentes, mas todos iguais’ diferentes em personalidade, gostos,
preferências, … iguais enquanto seres humanos!
EU sempre mantive uma
posição contra quanto ao preconceito e homofobia, foram cinco longos
anos a ouvir coisas disparatadas que não eram direccionadas a mim, mas
acabavam por me magoar também e acabei ficando sempre em silêncio, mas
chegou a um dia em que não posso permitir que me tratem da forma que me
tratam, sempre a mandar bocas a toda a hora, todos os dias, chega basta,
sim sei que são os meus próprios pais mas não vou admitir que me façam
sofrer desta maneira. Eu podia desistir de tudo sabem, podia borrifar-me
para a escola, fugir do país, podia suicidar-se, querer desaparecer
deste mundo de uma vez por todas, (…) podia fazer uma quantidade
infinita de coisas, se … se fosse outra pessoa com outra personalidade,
sim eu podia fazer isso tudo, tudo mas NÃO, NÃO E NÃO!
Eu sou
assim como sou, gosto de mim e vou lutar pelo que tiver de ser, não
tenho vergonha nenhuma, pelo contrário até muito orgulho, não vou
desistir, vou até onde for preciso para alcançar a minha felicidade, vou
lutar por respeito e dignidade, por tudo…aquilo que pessoas iguais a
mim desejariam todas ter. Vou lutar pela minha liberdade de ser feliz,
acima de tudo, sem complexos, e sim SER FELIZ É MAIS IMPORTANTE DO QUE
TUDO, os meus pais ou até a minha família, sim são a minha família,
aqueles que me criaram desde pequeno, que lutaram pela minha
sobrevivência e que não pude escolher, mas os amigos, os verdadeiros sim
posso escolhe-los e fazer deles uma família. SIM QUERO SER FELIZ, e
faço tudo o que tiver de ser para isso! O meu conceito de felicidade é
bem diferente do vosso...
Existe por aí gente que nem merece respeito
na cara, julgam, criticam, insultam, todos riem…mas na verdade, quem
lhes dera que tivessem metade da dignidade que eu, e outros têm em serem
assim, como são, em não terem medo de se assumirem e a estarem prontos a
ultrapassar a vida desta forma, com força e coragem...porque isto de
ser gay, bissexual, lésbica, não foi uma escolha, nem uma opção de vida
tampouco! Foi sim uma mancha ou não, que nasce connosco!
Uma nova
vida vou ganhar, vou ter outra, a minha própria vida sendo eu mesmo,
mais uma experiência para acrescentar ao crescimento, não irei desistir
daquilo que quero, espero que respeitem a minha decisão de querer ir
morar para outro sítio, desistir é uma palavra que não existe me mim
sempre ouvi dizer, “quem espera sempre alcança” e assim será comigo eu
já esperei tempo demais, está na altura de ser eu mesmo, num sitio onde
me tratem bem e me respeitem, a meu ver o respeito é acima de tudo
independentemente do que a pessoa seja, o respeito pelos outros fica
sempre bem, os meus pais não têm sequer tido isso por mim, uma regra tão
básica da convivência humana e por essa razão vejo que eles não me
merecem mesmo!
Fiquem cientes disto, só amarei de verdade um
homem, eu sou homossexual e vocês como meus pais deviam aceitar e não me
descriminar… mas sei que isso, nunca se vai concretizar... sei que sou o
maior desgosto que já tiveram na vida, mas não me importo, eu não tenho
que me sentir mal com o que sou só porque vocês querem, vocês é que
estão a errar, a descriminar o vosso próprio filho, não vou chorar mais
por vossa causa nem me irão magoar mais como já fizeram até hoje.
Pai,
mãe lamento se destrui os vossos sonhos, os vossos desejos, as vossas
expectativas, a vossa vontade de ter um filho "normal", mas eu preciso
demasiado de ser feliz para poder abdicar daquilo que sou. Sim, vocês
continuam a ser meus pais independentemente de tudo, mas apenas não
consigo estar a residir e a conviver com vocês, vou ter mesmo de
sair…mas só exijo uma coisa: respeito!
Sei que é difícil aceitar que
não vão ter netos de sangue, mas quem sabe não terão um neto adoptivo
... sei que é difícil aceitar que o vosso bebé cresceu, e que devido ás
suas decisões e escolhas pode ser prejudicado no futuro, mas está na
altura de decidir o que acho mais favorável para mim mesmo, sem que
ninguém interfira nessa mesma escolha, nesta situação em relação ao meu
futuro e à minha forma de viver a vida.
Mas para que saibam, por
vezes não temos escolhas, tal como não é uma opção num heterossexual
crescer, casar e ter filhos, netos, etc, também não é opção num LGBT
crescer, amar e ser amado por alguém do mesmo sexo, esconder da
sociedade, ser rejeitado por quem não compreende, envelhecer junto da
pessoa que ama, não podendo oficializar a relação ou partilhar com
todos, tal como os heterossexuais fazem.
Por vezes comparo uma
relação homossexual á história de Romeu e Julieta, pois perante a
sociedade e os seus costumes e preconceitos são os dois "amores
impossíveis", mantidos às escondidas, não por ser incesto ou pedofilia,
mas porque a sociedade simplesmente não olha para lá do chamado
"normal", em vez de se focar na felicidade das pessoas, foca-se apenas
na ordem natural. Vergonha é eu viver constantemente com gente que me
olha com nojo! Só porque quero ser feliz, já deixaram de fazer alguma
coisa só por não quererem ser diferentes dos outros?
A única coisa
que vos peço é que respeitem estes parágrafos que tão dificilmente
saíram de todo este silêncio de anos, e que custaram imenso a
escrever-se!
Há diferentes formas de ser, há diferentes formas de amar!
Do vosso filho que vos ama, e sabe que o amam se o amarem sempre, mesmo depois desta carta.
sábado, 16 de novembro de 2013 -
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Carta aos pais...
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